“Quando parte um velhinho, perde-se uma biblioteca.”
Parece um poema, e até o poderá ser visto que esta expressão me foi oferecida pelo maior poeta de Mondim. Descurando a natureza desta expressão, que é o que menos importa, ela revela um enorme fundo de verdade. Não é por acaso que usamos muitas vezes o famoso dito popular – “os antigos é que sabiam”. Basta “perder” um pouco do nosso tempo com uma velha/velho” para, rapidamente percebermos que afinal o tempo não foi perdido. Ganhamos. Enriquecemos. Crescemos. Vemos um mundo numa perspetiva diferente do nosso. Afinal de contas, o nosso mundo é diferente do mundo que eles viveram. Alerto para um pormenor que por vezes o mais formado dos mortais, aparenta desconhecer.
A velhice não é contagiosa.
Antes o fosse. Porque se chegarmos a velhos, significa que a nossa jornada não terminou a meio do caminho. Por isso, nada temam em abraçar, beijar, tocar, acariciar, ouvir, falar e olhar um “velho/velha”.
A velhice não é contagiosa.
Quando se contam inúmeras primaveras, aquilo que é importante para um jovem, é de certa forma fútil para uma “velha/velho”. Quem não gosta de partilhar uma conquista com o próximo? Quem não gosta de contar uma história que nos enche de orgulho? O que não dirá uma pessoa que tem várias décadas de conquistas, de histórias, de momentos e de vitórias, mas também de derrotas. O que não terá para nos ensinar alguém que travou uma batalha com a vida, que em condições desfavoráveis, onde o sucesso era inalcançável, conseguiu sair vitorioso? São décadas de conhecimento e essas pessoas sentem uma necessidade natural em o partilhar e é completamente descurado porque provém de um “velho/velha”.
A velhice não é contagiosa.
Temos bibliotecas naturais ao nosso dispor, ainda assim ignoramo-las e repudiamos. Repudiamos umas mãos calejadas e ásperas sem percebermos que essas mesmas mãos alimentaram uma família, num tempo em que pouco ou nada havia para comer. Repudiamos uma pele escura e enrugada, ignorando o facto de que essa pele contém inúmeras horas ao sol, com o único objetivo de poder sobreviver. Repudiamos umas costas curvadas, não vendo que são o fruto do peso que carregaram uma vida toda. O peso do futuro. O futuro que hoje é o presente. Aquele que todos nós usufruímos.
Por isso, quando virem umas mãos enrugadas, toquem-lhes e aprenderão o valor do trabalho. Quando virem uma pele enrugada, beijem-na e aprenderão o valor do sacrifício. Quando virem umas costas curvadas, abracem-nas e aprenderão o valor de carregar o peso da responsabilidade.
Um dia espero ser velho. Significa que a minha jornada seguiu o percurso natural. E se lá chegar, espero vir a ser ouvido, tocado, abraçado e beijado. E direi sempre a mesma frase. Façam-no, porque…
… a velhice não é contagiosa.